Foto: Pedra de Guaratiba 1968
Quando Pedra de Guaratiba se rebelou
Em julho de 1951, a grande e pequena imprensas noticiavam, com grande alarde e preocupação, a situação vivida pelos posseiros de Pedra de Guaratiba, cuja história, segundo O Radical, remontava aos “Tempos Coloniais”. Numa série de reportagens intitulada “Vai correr sangue”, o jornal afirmava que apesar de terem pertencido a vários proprietários, as terras que abarcavam a Fazendas da Pedra e Campo de Criação pertenciam ao domínio da União naquele momento. Porém, isso não impedia que Pedro Moacir, “o maioral dos grileiros”, tentasse “um inominável atentado ao direito de trabalhar, lesando a fazenda pública” e se apossando de terras pertencentes a esta. Contudo, um funcionário da loteadora de Pedro Moacir afirmava no Diário Trabalhista (de propriedade do mesmo) que se tratava na verdade “de um empreendimento arrojado”. Explicava César Gusmão, o “funcionário abordado” pelo jornal, que o loteamento se dividia em duas partes: numa área, a “residencial”, seriam construídos 4.500 lotes, na outra, “300 sítios com dimensões variáveis”. Mas os lavradores contra-argumentavam dizendo que Moacir queria mesmo era transformar “a terra que lhes pertence(...) em lugar de Veraneio, de ‘weekends”. O que lhes soava como um absurdo, até porque, dizia José Sena: “Se terminar a agricultura, termina tudo. Ninguém come casa de verão! Ninguém come banho de mar! E nem dinheiro. A gente come é legumes, feijão, laranjas, carne. Se começar a fazer cidades do campo, vamos acabar comendo máquinas.”
E segundo a imprensa Moacir não agia sozinho, tinha junto a ele “testas-de-ferro”, os senhores Ervin Reinnert, Rodrigo de Queiroz Lima ( “homem perverso, responsável por despejos ilegais e desumanos”), Clemente Ferreira dos Santos, Elias Neves, Cia. Covanca, Cia Garrido, Dr. Marcelo, Georgino Avelino e Godofredo (“seu sócio”).
Ainda segundo o jornal, os “assaltos” do “grileiro-mor” tinham requintes de crueldade: tinha sido aberta uma rua por cima dos laranjais e outras lavouras, “com ajuda de tratores pesados”. Todo o “serviço” era “vigiado por uma capanga”. Alguns lavradores chegaram a ser despejados. Um deles, Joaquim de Souza, “há 23 anos” naquelas terras, disse que o expulsaram de sua casa à noite, debaixo de chuva, tratando-o como se fosse “um ladrão ou malandro”. Além do uso de tratores, Pedro Moacir teria realizado o represamento da água, alagando os terrenos próximos. E os policiais de Guaratiba nada faziam para detê-lo “e a conseqüência”, escrevia atônito o jornal, “é essa barbaridade que estamos vendo no Sertão Carioca”. No entanto, apesar de toda gravidade envolvida, as violências praticadas contra os lavradores não resultavam em uma expulsão automática. Muito embora, Pedro Moacir fosse retratado como uma pessoa extremamente poderosa, contando com a ajuda de inúmeros “testas-de-ferro”, “capangas” e até com a conivência da polícia, o jornal reiterava que os lavradores continuavam resistindo aos “ímpetos gananciosos do proprietário” e não abandonariam “assim facilmente” aquelas terras.
Talvez tivesse certa razão. Quase um ano depois, os lavradores permaneciam lá, em que pese suas alegações sobre a crescente precarização das condições de vida e trabalho: além de continuar a aterrar o córrego por onde eram escoadas as águas das chuvas, os laranjais eram incendiados a mando de Pedro Moacir, “com a desculpa de plantar eucaliptos”; teria ainda conseguido verbas na Prefeitura para o custeio de terraplanagem e loteamento da área. Da mesma forma que no ano anterior, Pedro Moacir tentava provar o seu domínio sobre as terras com base na exibição de escrituras ilegais, notificações e também no uso de capangas. Fato que contava com a cumplicidade de “elementos do Governo”, “que estariam garantindo a ação dos malfeitores encasacados”.
Em abril do ano seguinte, Pedro Moacir teria designado três agentes da Policia Especial para “espalhar terror entre posseiros da Pedra de Guaratiba”. Segundo alguns lavradores, eles percorriam a localidade num carro preto; um deles, teria declarado que Pedro Moacir o instituíra como “fiscal” daquelas terras. Alguns lavradores, além de terem sido ameaçados, disseram que suas casas tinham sido “invadidas”. Entre os ameaçados, havia pescadores, que diziam possuir “títulos de posse” concedidos pela Marinha. Apesar disso, sofriam com “o temor de perder suas terras e com a presença da Polícia que dava guarita à violência contra eles”.
Em outubro de 1953, era novamente notícia a resistência dos lavradores de Pedra Guaratiba em não deixar aquela área. Uma “comissão” que os representava teve uma audiência com o prefeito no exato momento do despacho com o secretário de agricultura João Luiz de Carvalho. Pediram “providências do governo contra os despejos em massa”, que vinham “recrudescendo na zona rural, pela avalanche imobiliária”. Segundo palavras d’O Popular, o prefeito teria respondido que sentia “profundo respeito pela causa dos lavradores”, tanto assim, que a municipalidade já estudava um meio para “sustar esses despejos”, que afetavam não só aos lavradores como “à produção do DF”. Mas essa comissão - vale destacar - era também constituída pela “representação” de lavradores de outra região, a da Fazenda Piaí. Ali, a “avalanche imobiliária”, tal como em Pedra de Guaratiba, estava criando uma situação merecedora de “constante e atenta preocupação”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
De o seu GRITO, nós ouviremos.